08/12/2020 - 442 dias - abri a persiana. O céu azul de São Paulo das 5:30 lembra o céu do meio dia de Paris. Já sei, vou fazer de conta que é Paris: vou vestir o Theo pra passear, vamos para o Museu d'Orsay, apresentar Van Gogh pra ele, ver o urso do François Pompon…. Depois faremos um passeio na beira do Sena, na volta ele vai pedir um croissant au chocolat no lanche. É um bom plano para o dia.
Toc toc, alguém na porta. Eu acordo do delírio. Estamos no hospital novamente, chegou o transporte para nos levar até o salão de hemodiálise. É a sexta crise de pancreatite em 4 meses. Teve tanta dor, choro e desespero - dele e meu. Não parece justo. Anticlímax de quando estávamos tão próximos de chegar aos 7kg. Tem o jejum, a perda de peso, os antibióticos, suspende as terapias e aquela perene sensação de impotência. E que direito tenho eu de achar que meu sofrimento é maior que o deste bebê?
Num momento eu entendi o que incomoda tanto. É sempre tudo igual. Quase não temos brechas para que o dia seja surpreendente e incrível. As internações constantes. A rigidez em torno de coisas demoradas e chatas, as horas que se passam arrastadas dialisando, nos horários de remédios, o fio curto da nutrição parenteral, o controle dos insumos, no banho preocupado com o catéter. Digo quase, porque obviamente temos coisas incríveis que acontecem vez ou outra: o equilíbrio sozinho no cavalinho inflável, a postura de cabeça erguida de bruços, o primeiro dentinho que acabou de nascer. Theo vive, todos os dias. Mas que faria toda a falta do mundo ter um dia positivamente surpreendente, isso faria.
O dia que começou ensolarado terminou chuvoso, tempestade, raios, granizo. Diz tanto sobre minha cabeça agora que parece até uma pintura. Me sinto chuvosa, existe isso?
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