22/06/2020 - 272 dias. (ponto de vista, exclusivamente, do pai)
Deus não é o meu ponto final. Prefiro chamar de Graça ou Natureza e ela é o meu ponto de partida. É graça, mas não é deidade. É o todo e é na individualidade também como no todo.
"O conhecido é finito, o desconhecido, infinito; intelectualmente estamos numa ilhota no meio de um oceano ilimitado de inexplicabilidade. Nossa função em cada geração é reivindicar um pouco mais de terra firme. T. H. Huxley, 1887" (from "Cosmos" by Carl Sagan, Ann Druyan, Paulo Geiger).
Nosso Theo tem nome de divindade, mas de uma em especial, mas do prefixo grego que se refere ao estudo das divindades.
Tenho que deixar claro que não sou contra, respeito todas as formas de ver o mundo e que não tenho nenhuma decepção religiosa.
Só não gosto de acreditar que toda a porção da natureza que eu ainda não conheço seja resumida ao mistério de um Deus personificado, uma deidade. Em todo o resto, minha crença naquilo que chamo de natureza ou de graça da vida é muito parecida com a crença que cada um tem em seu Deus.
Sou, por demais, grato por todas as descobertas e evolução transmitidas através dos tempos e das gerações de gigantes que nos erguem nos seus ombros. E mais que isso, sou grato por todos os que continuam buscando conhecer e explicar o que ainda não é conhecido. Toda a minha admiração à ciência em todas as áreas de conhecimento humano, exato, oculto, tecnológico e o que mais houver.
Em nosso vídeo documentário recebemos uma saraivada de comentários emocionados e positivos, sobretudo tentando convencer-nos (ou a si mesmos) que o que aconteceu ao nosso Theo e nossa família, somente Deus explica. Sou grato por todos os comentários, mas lamento a sua falta de ambição investigativa. Se há uma especial energia ou ordem nas coisas manifestada no episódio que consideramos tão especial, posso afirmar que, de meu ponto de vista a ordem manifestada em nosso caos foi concebida pela ciência médica, que evoluiu tudo o que já conseguiu evoluir até aqui, geração após geração. E pela generosidade destes profissionais da saúde, que se comunicaram entre si espontaneamente sobre nosso caso, criando uma rede de apoio médico sem a nossa solicitação. Isso não nega a graça ou a sua visão de Deus, mas não dar o mérito ao agente da graça (neste caso, os profissionais) é o que me revolta.
Acredito que eles tenham visto no quadro do Theo um caso raro, desafiador (de certa forma empolgante e instigante para o profissional médico) e a agonia de dois pobres desavisados pais de primeira viagem, esforçando-se para entender o panorama e estudando tudo o que podiam para salvar seu filho.
Somos gratos à humanidade. A mesma humanidade que às vezes não só parece que não é humana mas também parece ser desumana.
Não sou diferente de ninguém. Tenho minhas crenças, mas se há uma crença mística em mim, ela é mais panteísta que personificada. Mais evolutiva que conservadora. E mais caótica que ordenada. Acredito que quem deve enxergar ordem na complexidade de nosso mundo somos nós. Em uma espécie de pareidolia consagradora.
Como consequência dessa visão, eu estava procurando um nome para nosso filho que (concordávamos, eu e a Suelen) fosse curto e simples, tivesse sonoridade internacional para o caso de conseguirmos um dia realizar o sonho de morar alternadamente em diversas cidades pelo mundo e o nome não deveria ter significado religioso (neste ponto não concordávamos). Um grande desafio para um mundo tão doutrinado e bíblico.
Reafirmo aqui que não tenho nada contra a religiosidade ou qualquer crença, mas sim algumas atitudes escravizadoras da mente praticadas na maioria das religiões. Dogmas, hierarquias e técnicas de dominação por autoridade em vez de liberdade para o crescimento e desenvolvimento humano.
Um dos meus motivos para essa aversão foi o meu próprio nome Cristiano significa Cristão ou seguidor de Cristo. Fui batizado (em idade que não tinha poder de escolha) como cristão por tradição familiar e tive educação em escola católica. Com o passar do tempo e maturidade fui me descobrindo pouco ligado ao cristianismo e mais interessado em outras linhas de pensamento. Não é que eu não concorde com o cristianismo, muitos dos conceitos de graça na natureza que tenho coincidem com o Cristianismo, mas é que não consigo mais acreditar na graça personificada em um Deus, um humano, um animal, ou qualquer entidade personificada.
O conceito de deidade não cabe no meu jeito de pensar. Em vez disso minha visão é de que há essa mesma graça na natureza caótica. Isso inclui dizer que há graça em mim, no Theo, na Suelen, nos animais, numa pedra e até naquilo que consideramos mau, mas que faz parte da natureza caótica.
Theo, foi escolha, entre diversos outros nomes curtos e de sonoridade internacional, em uma lista que fizemos. Não se encaixava no meu terceiro critério, contrário a um Deus personificado. Mas a verdade que sinto em meu coração é que nosso Theo passou a ser a Graça de nossas vidas. A graça que nos fez enxergar com maior clareza e nitidez o que é importante na natureza caótica e o que passa a ser desimportante no que cotidianamente fazíamos.
O Theo nos fez crescer em meio ao fogo que nos forjou. E esse é o significado que eu enxergo na obra Descendent que concebi em agosto de 2019, um mês antes do improvável nascimento dele. Na data desta obra, o Theo era uma despedida em nossos corações.
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